sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Como se formar um ser humano?

         Hoje me ocorreu um episódio, que eu achei, no mínimo constrangedor. Levei minha filha, Júlia Morena, ao otorrinolaringologista por estar gravemente alérgica. Ao chegar no consultório, vi que havia muitos "pacientes" antes dela. Então resolvi dar uma volta, afim de distraí-la, pois estava muito enjoadinha.
        Depois de beber um suco e comprar um biscoito, passamos numa banca de jornal e comprei um livro infantil á escolha da minha pequena, prestes a completar 3 anos. Sua escolha foi um livro ilustrado das "princesas da Disney", com histórias e atividades, bem infantil mesmo.
        Ao voltar para a sala de espera, que estava lotada sem nunhum lugar para nos sentarmos, e sem nenhum cavalheiro que nos cedesse um lugar, eu resolvi ir para um canto, no fundo da sala, onde havia um espaço ótimo para nos sentarmos ao chão. E, ali, sentada ao chão com minha criança, comecei a contar-lhe as histórias do livro que escolhera, o que a fez mudar de humor IMEDIATAMENTE. Tomei esta atitude porque acredito no poder transformador das histórias. Segundo Clarissa Pinkola Estés, analista junguiana e contadora de histórias:
            "As histórias são bálsamos medicinais. Achei as histórias interessantes desde que ouvi a minha primeira. Elas tem uma força! Não exigem que se faça nada, que se seja nada, que se aja de nenhum modo - basta que prestemos atenção. A cura para qualquer dano ou para resgatar algum impulso psíquico perdido está nas histórias." (In: Mulheres que correm com lobos: mitos e arquétipos da mulher selvagem,  Rio de Janeiro: ROCCO, 1994,  p. 30)
              Durante o período que estive ali, sentada contando e recriando histórias pra minha filha, ajudando-a psicologicamente a "encarar o médico", o que não é tão fácil pra ela; veio uma mulher beber água, e olhou-me de forma condenatória. Acredito, que na cabeça dela deve ter passado a seguinte pergunta (cheguei a ler no balãozinho em cima dela): "_ Como uma mãe, com uma filha doente, senta-se num chão qualquer pra "brincar" com sua filha?" Seu olhar me condenou sob o ponto de vista bacteriano, mas mal sabia ela, o bem que eu estava fazendo para a minha filha, alimentando-lhe a alma e sarando suas feridas interiores (provocadas pela única vez que ficou em observação no soro em um hospital).
          Tenho convicção que para a alergia respiratória de minha filha algum remédio por via oral, nasal, anal, resolveria, mas para o seu trauma de médico não há fórmula mais eficaz que uma boa história. Não quero com isso defender o livro, como sendo de qualidade, a história  como interessante, ou a autoria confiável. NÃO! Nada disso! Minha defesa é em prol de darmos mais impotância ao que realmente é importante pra vida e/ou formação do ser humano como um todo.
 
          Quantos narcóticos, bandidos, depressivos, pessoas infelizes e mal resolvidas na vida, precisaram apenas de um pouco de bactérias do chão de uma sala de espera de um consultório, ou de uma sombra debaixo de uma mangueira, ou um canto empoeirado no fundo da sala de aula, ou mesmo o sofá de casa, em suma, um canto mágico, em que pudesse ouvir histórias, alimentar sua alma, construir seu caráter e sarar suas feridas interiores?
         Só para finalizar, Júlia Morena deixou-se examinar por completo. No início, ficou desconfiada e chegou a esboçar um choro, mas logo se sentiu segura o bastante para sair dali amiga do Dr. Oswaldo e tão saltitante, que nem parecia a mesma que saíra de casa prostrada.
        Mães, pais, professores, médicos, patrões, empregados, dediquemos um pouco de nossa vida a contar e ouvir histórias. Elas são mais poderosas do que se possa imaginar. E, quanto ás bactérias? Há males maiores e mais destrutíveis.


Por: Joana Maria da Silva

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Uma dose de prosa poética.... leitura reflexiva!


A Moça Tecelã


             
        Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear. Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor de luz, que ela ia passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã desenhava o horizonte. Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca acabava.
            Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na lançadeira grossos fios cinzentos de algodão mais felpudo. Em breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela.
              Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para que o sol voltasse a acalmar a natureza.
               Assim, jogando a lançadeira de um lado para o outro e batendo os grandes pentes do tear para frente e para trás, a moça passava os seus dias.
                  Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.
               Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido. Se sede vinha, suave era a lã cor de leite que entremeava o tapete. E à noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia tranqüila.
               Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha, e pela primeira vez pensou como seria bom ter um marido ao seu lado. Não esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa nunca conhecida, começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam companhia. E aos poucos seu desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. Estava justamente acabando de entremear o último fio da ponta dos sapatos, quando bateram à porta. Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma, e foi entrando na sua vida.
            Aquela noite, deitada contra o ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade. E feliz foi, durante algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo os esqueceu. Porque, descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas todas que ele poderia lhe dar.
              _ Uma casa melhor é necessária, - disse para a mulher. E parecia justo, agora que eram dois. Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor de tijolo, fios verdes para os batentes, e pressa para a casa acontecer.
Mas pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente. _ Para que ter casa, se podemos ter palácio? – perguntou. Sem querer resposta, imediatamente ordenou que fosse de pedra com arremates em prata.
               Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e portas, e pátios e escadas, e salas e poços. A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo para chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia. Tecia e entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o ritmo da lançadeira.
               Afinal o palácio ficou pronto. E entre tantos cômodos, o marido escolheu para ela e seu tear o mais alto quarto da mais alta torre. _ É para que ninguém saiba do tapete, - disse. E antes de trancar a porta à chave, advertiu: _ Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos!
          Sem descanso tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de luxos, os cofres de moedas, as salas de criados. Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.
           E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior que o palácio com todos os seus tesouros. E pela primeira vez pensou como seria bom estar sozinha de novo. Só esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com novas exigências. E descalça, para não fazer barulho, subiu a longa escada da torre, sentou-se ao tear.
           Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a lançadeira ao contrário, e, jogando-a veloz de um lado para o outro, começou a desfazer o seu tecido. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins. Depois desteceu os criados e o palácio e todas as maravilhas que continha. E novamente se viu na sua casa pequena e sorriu para o jardim além da janela.
           A noite acabava quando o marido, estranhando a cama dura, acordou e, espantado, olhou em volta. Não teve tempo de se levantar. Ela já desfazia o desenho escuro dos sapatos, e ele viu seus pés desaparecendo, sumindo as pernas. Rápido, o nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito aprumado, o emplumado chapéu.
            Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara. E foi passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz, que a manhã repetiu na linha do horizonte.


[de Marina Colassanti.

Ilustração: bordado das irmãs Dumont]


        "Posso dizer com bastante propriedade que já teci e desteci muito em minha vida: sonhos, amores, projetos, estudos, festas, filhos. E você? Já parou pra pensar a quantas anda o tear de sua vida?"

Por: Professora Joana

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Um pouco de Poesia para saciar a alma...


O Menino Que Carregava Água Na Peneira
                                                            

                                                                      Manoel de Barros


Tenho um livro 
sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.

A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e sair
correndo com ele para mostrar aos irmãos.

A mãe disse que era o mesmo que
catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.

O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.
A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio
do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores
e até infinitos.

Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito
porque gostava de carregar água na peneira

Com o tempo descobriu que escrever seria
o mesmo que carregar água na peneira.

No escrever o menino viu
que era capaz de ser
noviça, monge ou mendigo
ao mesmo tempo.

O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.

Foi capaz de interromper o vôo de um pássaro
botando ponto final na frase.

Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.

O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o menino com ternura.

A mãe falou:
Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda.

Você vai encher os
vazios com as suas
peraltagens
e algumas pessoas
vão te amar por seus
despropósitos.